domingo, 30 de outubro de 2011

A Morte

Ele havia passado toda a vida temendo o momento em que ela finalmente
surgisse, com seu capuz preto e a foice pronta para levá-lo ... seja pra onde for.
Quando ela finalmente apareceu ele havia chegado do trabalho tarde da noite.
Colocou os livros sobre a escrivaninha, encheu uma xícara de café,
ascendeu um cigarro , deu uma tragada e apoiou-o no cinzeiro.
Sentou de frente para o computador, encostou as costas cansadas na cadeira,
tomou um gole do café e olhou para a monitor desligado sem a menor vontade
de ligá-lo.

Sabia que havia morrido quando levantou da cadeira
e viu que seu corpo ficara pra trás. Imóvel e debruçado sobre a mesa. Chegou a
sentir pena de si mesmo. Quem seria a pessoa que o encontraria ali? "Podia ao
menos ter dado uma ultima tragada no cigarro..."

E agora o que ele deveria fazer? Morrer não tem manual de instrução.
Esperar a luz que ele deveria seguir? Assistir a um slideshow com todos momentos de sua vida? Esperar a Morte vir pega-lo nos braços?
Será que ela tinha asas? Nunca havia pensado nisso.
Correu os olhos pela sala e pousou os olhos sobre sua foto de formatura,
ao lado de outras trinta pessoas, da qual mantinha contato com apenas cinco.
Recordou da sensação de conquistar algo que havia passado anos lutando.
Todas as festas, as provas, os amores. Ah, os amores, correu os olhos até a ultima pessoa
do lado esquerdo. Lá estava ela, no auge da juventude, com seu belo sorriso
e cabelos loiros esvoaçantes. Por onde andaria ? Talvez me esperando do outro lado.

Nota mental: Perguntar seja lá pra quem for onde ela estava.

Não havia tido tantas histórias de amor quanto seus amigos.
Essa era a principal de todas, mesmo tantos anos depois ainda se lembrava de como ela
tocou sua mão pela primeira vez e de como ele a beijou a face demontrando respeito.
Nunca se esqueceria daquele sorriso. Nunca, nem quando morresse.
Sempre teve a certeza de que terminaria a vida sozinho, depois das desilusões
resolveu viver pelo trabalho.

Virou-se e a encarou, o vulto encapuzado sem rosto perguntou porque ainda pensava nela,
se ela apenas havia tocado sua mão para pedir algo emprestado e só a havia beijado no rosto
quando lhe desejar parabens.
- Foram os momentos que mais estive perto dela.
"Deveria ter dito que a amava. Há alguns anos atrás quando sofreu um acidente de carro,
meu Senhor pediu para que te deixasse mais tempo, que o senhor veria que não havia aproveitado bastante a vida" disse a Morte.
- Então sua missão é me fazer querer aproveitar mais a vida que me resta? Eu topo. Vou
agora mesmo procurá-la. Pegar todo meu dinheiro guardado, fazer uma viagem. Dane-se
meu emprego. Quero viver.
A Morte se aproximou e o abraçou. "Tarde demais" ela disse, abriu suas enormes asas em formato de morcego e voou em direção a luz carregando-o consigo.

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